Falhas na logística e armazenagem prejudicam a safra

AGRICULTURA

Investimentos em estradas, portos, ferrovias e armazéns não acompanham crescimento da produção do país

Safra pára no gargalo da infra-estrutura

Pierre Duarte/Folha Imagem
Trecho da estrada BR-153, em condições precárias, em São José do Rio Preto, no noroeste de SP

ANDRÉ SOLIANI
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A capacidade de expansão da agricultura brasileira praticamente chegou ao seu limite pela falta de infra-estrutura para escoar a produção, segundo o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e seis especialistas entrevistados pela Folha.
Estradas esburacadas -quando há estradas-, portos sobrecarregados, falta de investimentos em hidrovias e ferrovias e escassez de armazéns tornam a comercialização da safra um caos e pouco competitiva.
“Eu tenho medo que a enchente da agricultura [aumento da produção] seja tão vigorosa, pela competência dos produtores rurais, que a ausência de uma logística adequada resulte em perda de renda para o agricultor”, afirma o ministro.
A situação pode piorar. Nesta safra, em que os produtores rurais plantaram o suficiente para mais uma colheita recorde, ainda será possível comercializar toda a produção com as perdas habituais de rentabilidade.
“Neste ano ainda não haverá uma crise de abundância, que poderá ser muito grave, se nos próximos dois anos não houver um volume de investimento mais substancial em projetos de logística e infra-estrutura”, afirma Rodrigues.
A crise de abundância poderá ser evitada nesta safra, mas não faltarão sobressaltos para o agricultor vender seu produto. “Filas de caminhões de até 70 quilômetros, com esperas de até três dias para desembarcar o carregamento no porto, certamente vão acontecer, como no ano passado”, afirma Paulo Fleury, presidente do Centro de Estudos de Logística do Instituto Coppead de Administração da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Primeiros problemas
O auge da colheita -entre março e abril- nem começou e os problemas já começaram a acontecer devido às recentes chuvas.
Na semana passada, entre 150 e 200 caminhões estavam atolados na região de Sapezal (Mato Grosso) numa estrada de terra do Estado, segundo informações colhidas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Não há como evitar as dificuldades. Neste ano, segundo Rodrigues, a safra brasileira pode crescer em até 8 milhões de toneladas e a infra-estrutura é praticamente a mesma do ano passado.
As maiores obras são apenas para tornar trafegáveis algumas estradas já existentes e que apresentam problemas estruturais.

Falta de investimento
Há 80 anos, o Brasil tinha cerca de 30 mil quilômetros de ferrovias. O país cresceu, mas hoje conta com uma malha ferroviária quase idêntica, apenas 29.283 quilômetros de estradas de ferro, segundo a vice-presidente do Corredor Atlântico (entidade que busca a integração do continente), Sandra Stehling.
Na década de 70, o governo investia cerca de 1,8% do PIB (total de riquezas produzidas no país) em estradas. Em 2003, o investimento foi de apenas 0,1% do PIB, diz Fleury, da UFRJ.
A deficiência de infra-estrutura, fruto da falta de planejamento e recursos, significa custos adicionais para o agricultor.

Na Argentina, o produtor rural gasta em média US$ 16 para colocar uma tonelada de soja no porto. Nos Estados Unidos esse gasto é de US$ 15,50. No Brasil são US$ 23,50 para realizar a mesma operação, diz Joelsio Lazzarotto da Embrapa Soja, empresa estatal de pesquisa agrícola.
A situação dos portos também não ajuda. As taxas portuárias nos Estados Unidos e na Argentina variam de 1% a 1,5% do valor da carga. No Brasil, chega a 5%, estima Lazzarotto.

Armazéns
Outro problema grave é a falta de armazéns para estocar os produtos. A produção brasileira de grãos cresceu quase 50% entre a safra de 1998/1999 e a passada. A capacidade de armazenagem, no entanto, cresceu apenas 5,7%, quase um décimo da taxa de crescimento da safra, no mesmo período.
“Hoje existe um déficit de capacidade de armazenagem de 35 milhões de toneladas”, diz Luiz Baggio, vice-presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Seria preciso aumentar em mais de 35% a capacidade atual, de 93,815 milhões de toneladas, para atender a demanda.
“O gargalo da agricultura brasileira hoje é a infra-estrutura”, diz o presidente da Corredor Atlântico, Paulo Vivacqua.

Investimentos na modernização das fazendas e boas chuvas não vão mais assegurar crescimento da agricultura brasileira, concordam o ministro da Agricultura e os demais entrevistados pela Folha. É preciso ferrovias, hidrovias, estradas, portos e armazéns para aumentar a produção.

Fonte: Folha de São Paulo