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Eles só não inventam lucros

sexta-feira, dezembro 23rd, 2011

Durante décadas, diversos inventores brasileiros criaram produtos de sucesso mundial, mas não ganharam dinheiro com eles. É uma realidade que perdura até hoje
Por Paulo Brito/ Isto É Dinheiro

Quem lê O Mago, biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais, encontra uma informação surpreendente na página 81. Não é sobre a vida de Paulo, um dos escritores mais lidos do planeta, mas sobre um tio. Um engenheiro mecânico chamado José Braz Araripe.

O ilustre desconhecido é nada menos do que o inventor do câmbio automático. É verdade que foi a GM quem produziu o primeiro carro “hidramático”, em 1938. Mas só conseguiu desenvolver o câmbio por causa do protótipo e do projeto que Araripe e seu parceiro, Fernando Lemos, venderam à empresa, em 1932.

Até onde Paulo Coelho ficou sabendo, cada um deles ganhou o suficiente para passar o resto da vida em razoável conforto: foram US$ 10 mil, o equivalente hoje a meio milhão de dólares.

Mas raramente os dois são reconhecidos pelo que criaram, tal como vários outros inventores brasileiros (leia quadro). Do cartão telefônico ao Walkman, da radiofonia ao cinema 3D, do avião ao Bina. Pessoas que, além de não terem sido reconhecidas, pouco ou nada obtiveram com aquilo que inventaram.

Apesar disso, seus inventos transformaram o dia a dia de cidadãos do mundo inteiro e ajudaram a impulsionar grandes empreendimentos. A Sony, por exemplo, não se celebrizou por ter lançado o sistema Betamax, mas, sim, porque se tornou a fabricante do Walkman.

A lista de inventores brasileiros cuja autoria deixou de ser reconhecida é grande. Santos Dumont é um desses casos. Para os americanos, por exemplo, quem inventou o avião foram os irmãos Orville e Wilbur Wright, seus compatriotas.
Dumont nunca chegou a fabricar aeronaves ou peças, não transformou seu invento num produto. Os irmãos Wright, sim. Outro exemplo clássico de inventor desconhecido é Andreas Pavel, um alemão que veio para São Paulo aos seis anos de idade.

Foi ele quem primeiro construiu um aparelho para ouvir fitas cassete onde quisesse, usando fones de ouvido. O equipamento, batizado como “Stereobelt”, foi testado na Suíça pela primeira vez em 1972, enquanto ele caminhava sob uma nevasca com sua namorada. Ele tentou vender a ideia a vários fabricantes, mas não conseguiu. Ainda assim, registrou a patente na Itália.

Só depois de 25 anos conseguiu com a Sony um acordo para receber royalties pela patente. Do mesmo modo, o italiano Guglielmo Marconi inventou o rádio, mas seu aparelho só transmitia os bips do código Morse.

Quem inventou o aparelho que transmite voz, ou seja, a radiofonia, foi o padre gaúcho Roberto Landell de Moura, em 1900. Ele chegou a registrar a patente no Brasil e nos EUA, mas não passou desse ponto. Não houve apoio do governo brasileiro sequer para uma experiência de transmissão entre dois navios da Marinha.

Por que isso aconteceu a tantos inventores? A resposta tem vários aspectos, e começa com a falta de conhecimento deles mesmos sobre as diferenças que existem entre uma invenção e um produto destinado ao mercado.

“Todo mundo que inventa alguma coisa acha que vai dar conta da produção e comercialização”, alerta Carlos Mazzei, presidente da Associação Nacional dos Inventores.

Agir sozinho, ele garante, envolve uma possibilidade de fracasso gigantesca. Em 24 anos de contato com essas pessoas, Mazzei concluiu que 95% delas não têm aptidão para se tornar fabricantes: “Quando tentam fazer isso, os inventores acabam se dando mal.”

Mas existe um caminho seguro, de apenas duas etapas, explica o presidente da associação: “A primeira é registrar o invento no Inpi, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. A segunda, procurar um bom fabricante”, conclui.

Carlos Alberto dos Santos, diretor técnico do Sebrae, acha que essa questão é complexa para quem inventa: “Por um lado, o inventor tem o saber, mas, por outro, não domina o fazer”, explica. Nas empresas grandes, diz Santos, essa diferença é coberta pelos departamentos de pesquisa e desenvolvimento. “O pré-sal é resultado justamente dessa estratégia’’, acrescenta.

Nélio Nicolai, técnico em eletrônica que em 1977 inventou o identificador de chamadas Bina, não descobriu um bom caminho para seu equipamento. Pior: concluiu que foi lesado pelas empresas com as quais fez parcerias. “Se eu não tivesse sido roubado, só os royalties do Bina em celulares renderiam R$ 4 bilhões por mês ao Brasil”, garante ele.

Seus cálculos se baseiam nos cinco bilhões de aparelhos que usam sua invenção no mundo inteiro. Quando inventou o Bina, Nicolai estava na Telebrasília, mas em 1985 foi demitido.

A razão? Foi porque incomodava seus superiores com “uma invenção que não tinha mercado”, explica. Embora tenha registrado a patente no Brasil e no Exterior, não conseguiu fazer valer os direitos que supunha ter, e muito menos ganhar o que esperava.

Resultado: segundo ele, o Bina foi copiado em todo o planeta. A reação de Nicolai foi abrir processos contra várias empresas do setor. Mas esses processos continuam rastejando pelas prateleiras do Judiciário brasileiro.

Nelson Bardini, engenheiro eletricista que inventou o cartão telefônico, fez justamente o que Mazzei, da Associação dos Inventores, e Santos, do Sebrae, recomendam.

Mas também não teve sucesso. Em 1978, dois anos depois da invenção, foi convidado para trabalhar no Centro de Pesquisas da Telebrás, o CPqD, em Campinas. Então, conta ele, as pressões começaram: “O Ministério das Comunicações pediu que o CPqD desenvolvesse um telefone público que usasse cartão.

Eu sabia como fabricar os cartões, e havia cedido a patente para uma empresa. Pois bem, houve tanta pressão sobre mim e sobre a empresa que cedemos os direitos de fabricação de cartões telefônicos. Posso fabricá-los, mas para outras finalidades ”, diz.

Santos, diretor do Sebrae, lembra que, embora ele tivesse a patente, isso é apenas um dos passos para o sucesso de uma inovação desse tamanho. Para inventores e inovadores, o órgão tem hoje programas capazes de abrir caminhos bem mais seguros que os de Nicolai e Bardini: “A estratégia necessária para levar um invento ao mercado raramente está entre as competências dos inventores. Cientistas não são pessoas que tenham grandes habilidades gerenciais”, conclui.

Hoje, já existe uma legislação específica para proteger e incentivar os inventores e descobridores, explica o presidente do Inpi, Jorge Ávila. É a chamada “lei da inovação”, publicada em 2004.

Depois dela, aumentou muito o número de recursos e financiamentos para apoiar inventores e pesquisadores. Especialmente os de instituições de ciência e tecnologia, como as universidades e os centros de pesquisa.

A grande novidade da lei é que ela exige a criação de núcleos que administrem a transferência de conhecimento dessas instituições para o mercado. “Muitos desses núcleos já estão criados e operando. Estão na PUC do Rio Grande do Sul, na Unicamp, UFRJ, USP e UFMG, por exemplo”, conta Ávila.

Nos últimos anos, ao organizarem as informações sobre patentes, as universidades descobriram que muitas delas, nascidas em seus laboratórios, estavam registradas em nome de professores. “Isso não aconteceu por má-fé”, explica o presidente do Inpi, “mas porque, na época em que elas foram pedidas, não havia estratégias nem estruturas para ajudar esses pesquisadores”, esclarece.

A Unicamp, que registra patentes desde 1984, é uma das instituições que mais entram com pedidos no Inpi (leia quadro). Até a metade de julho deste ano, já havia feito 631 pedidos. A transferência do conhecimento entre os laboratórios e o mercado é feita pelo Inova, departamento dirigido pela engenheira e professora Patrícia Toledo.

Segundo ela, a lei da inovação foi de fato um divisor de águas. “Antes dela, a universidade levou quase 20 anos para pedir o registro de 275 patentes; depois da abertura do Inova, pediu 196 em apenas três anos.”

Quando um pesquisador faz uma descoberta que pode se tornar um produto, entra em contato e o departamento começa a tomar providências: “Primeiro, avaliamos se é possível proteger o invento ou descoberta por meio de patente.

Depois, uma equipe avalia o potencial de mercado e vai às empresas que possam ter interesse naquilo.’’ E, quando a descoberta se transforma em produto, todos ganham: “Os royalties são divididos em partes iguais entre a universidade, o departamento responsável pela pesquisa e o próprio pesquisador”, finaliza.

Novo reitor do ITA defende inovação na agenda pública

sexta-feira, dezembro 23rd, 2011

22/12/2011 – 06h30
Novo reitor do ITA defende inovação na agenda pública
NELSON DE SÁ
ENVIADO A SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Especialista em inovação, o novo reitor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), Carlos Américo Pacheco, expõe em entrevista seu projeto para reaproximar a instituição de seu modelo original, o MIT (Massachusetts Institute of Technology), em que a universidade vai além da educação e avança sobre pesquisa e desenvolvimento, com parceiras com empresas e internacionalização.

Editoria de Arte/Editoria de Arte/Folhapress

Formado em engenharia eletrônica pelo ITA, com doutorado em economia pela Unicamp, onde era professor até ser escolhido em seleção pública como novo reitor, Pacheco, 54, foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (1999-2002) e participou da elaboração dos projetos que resultaram na criação de 14 fundos setoriais e na Lei da Inovação, de 2004.

Folha – Inovação é a área a que você mais se dedica, anteriormente no Ministério da Ciência e Tecnologia e na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Qual é a sua visão de inovação? O que o ITA e o próprio país devem fazer?

Carlos Américo Pacheco – Inovação passou a ser uma palavra que responde a coisas diferentes, na cabeça de cada um. Vou me restringir àquilo que é inovação no sentido econômico, deixando de lado criatividade e outras dimensões, que também serão muito importantes para o Brasil e para os principais países. Boa parte das políticas ditas de inovação nos países desenvolvidos hoje passam a incorporar inclusive essas outras dimensões. Tenta-se fazer política sobre criatividade, melhor eficiência do setor público, sobre outras coisas, mas eu vou me restringir à inovação no sentido econômico. Ou seja, o que as empresas fazem do ponto de vista de modificações de produtos, processos, serviços que prestam, agregar valor ao que fazem etc. Dentre as várias formas de inovação que as empresas usam está a inovação tecnológica.

A inovação é fundamental para o desenvolvimento, porque grande parte do aumento de produtividade nas economias modernas vem da inovação. Você não consegue fazer um processo de crescimento sustentável, de longo prazo, sem crescimento de produtividade. A produtividade é o que permite aumentar a renda real das pessoas. Você tem que ter produtividade para poder pagar salários maiores. Se pagar salários maiores e não aumentar a produtividade, você vai ficar não competitivo, vai ter deficit comercial. Nós temos um problema no Brasil. O Brasil vai crescer nos próximos anos, por vários efeitos, do pré-sal, das commodities. O mundo vai andar extremamente problemático, mas mesmo assim o Brasil vai crescer, por causa do mercado interno, dos recursos naturais. Mas o perfil do crescimento pode ser melhor ou pior, se a gente conseguir introduzir a inovação tecnológica na agenda pública e privada, sobretudo.

A agenda de inovação é decisiva, porque a gente pode gerar um país melhor. A gente pode viver de renda de commodities e gerar emprego precário, pagar salário mediano, para fazer transferência de renda enquanto durarem as commodities, mas na verdade, se a gente quiser criar uma estrutura mais integrada, uma sociedade melhor, salários reais melhores, vai ter que fazer esse caminho. Ou seja, dada a situação atual e dado que o câmbio tem uma tendência de ficar apreciado pelo excesso de divisas gerado por commodities e no futuro por petróleo, vamos ter que fazer um investimento em inovação tecnológica, para aumentar produtividade. É uma agenda decisiva para o Brasil.

Folha – E como entra o ITA?

Pacheco – Ele tem tudo a ver com isso. O ITA é basicamente uma escola de engenharia, mas é diferente das outras. Ele foi criado com o objetivo de gerar uma indústria aeronáutica. Tem uma coisa muito curiosa, na história do ITA. A história começa com a criação do MInistério da Aeronáutica e depois com um conjunto de lideranças do ministério, sobretudo o marechal Casimiro Montenegro, e a ideia de fazer uma indústria aeronáutica no Brasil. Quando procuram o MIT, ainda na década de 40, eles têm a nítida intenção de fazer uma escola de engenharia para criar uma indústria aeronáutica.

Quando depois o chefe do departamento de engenharia aeronáutica vem ao Brasil, ele produz uma coisa interessantíssima, que é o Relatório Smith. O primeiro reitor é esse professor que era chefe do departamento aeronáutico do MIT e que produz um relatório para a concepção do que seria o Centro Tecnológico de Aeronáutica etc. Ele diz assim, “tem que ter uma escola de engenharia de excelência, mas tem que ter mais: tem que ter o instituto de pesquisa, tem que ter fomento industrial”. Ele desenha o que a gente chama hoje de “cluster”, de arranjo produtivo local. Isso no final dos anos 40, é uma coisa impressionante. Se você for ler aquilo… A gente admira muito, por exemplo, o que Taiwan fez no ITRI (Industrial Technology Research Institute), no parque tecnológico deles, mas aqui, nos anos 40, se desenhou um negócio extremamente agressivo, do ponto de vista de política tecnológica industrial, que é a construção não só de uma escola de excelência, mas de um projeto de indústria.

Então o ITA tem tudo a ver com inovação. Sua concepção não é só educacional, é criar uma indústria. E num certo sentido foi extremamento exitoso, porque gerou a terceira maior empresa aeronáutica no mundo, do ponto de vista de montagem e fabricação de aviões. Temos ainda enormes gargalos na cadeia de fornecedores, vários fornecedores da Embraer são maiores do que ela, mas é um sucesso. É daquelas coisas que soubemos fazer com competência. Desde a sua origem, aquilo foi criado com um objetivo de política industrial, de política tecnológica. De inovação.

Folha – Também na graduação?

Pacheco – Somos uma escola pequena, para o tamanho do Brasil, mas uma escola de excepcional qualidade. Os relatos dos casos dos nossos alunos são interessantíssimos. A Embraer tem um programa com o MIT e recentemente um dos meninos nossos, do quarto ano, foi convidado para fazer um estágio de férias lá. Ele foi e eles o convidaram para fazer o doutorado direto. A gente tem meninos que saem da graduação fazendo doutorado direto em Princeton, tem meninos em Stanford. São talentos de classe mundial, são medalhas de outro nos concursos internacionais de computação, de matemática. No ano passado, pela primeira vez, eles participaram de uma competição tradicional americana sobre foguetes, com escolas de engenharia americanas. Foram financiados pelos próprios alunos, pelo centro acadêmico, e tiraram o primeiro lugar, nos Estados Unidos, que têm o maior número de escolas de engenharia aeronáutica.

É um projeto excepcional. Ao longo da história, ajudamos a construir não só a indústria aeronáutica. Boa parte do que foi feito em telecomunicações no Brasil nasceu na escola, até porque a Unicamp ainda estava surgindo. O centro de pesquisas da Telebras foi criado por gente formada no ITA, na sua grande maioria. O [José Ellis] Ripper foi formado na escola, depois foi para o Bell Labs, voltou para a Unicamp, e boa parte do staff inicial do centro de pesquisas da Telebras era formado no ITA. Tem vários tipos de contribuição em vários setores, não só no aeronáutico. Então, inovação está no nosso DNA e vai estar mais porque, mesmo sendo uma escola de engenharia, precisamos aproveitar ao máximo esses talentos para os desafios que o Brasil tem à frente. Temos que engajar o máximo possível esses jovens em projetos.

Folha – Uma das coisas que se falam sobre o pré-sal é que vai demandar uma quantidade e uma qualidade de engenheiros que o país não tem como fornecer, na estrutura atual. Essa demanda crescente por conhecimento técnico em engenharia, não só do pré-sal, é uma das razões para o projeto de dobrar o número de vagas?

Pacheco – O ITA vai duplicar de tamanho. Isso é muito pouco para a necessidade que o Brasil tem o ITA forma 120 alunos por ano e vai passar a 240 mas é importante fazê-lo. A demanda por engenheiros é muito maior do que isso. Hoje estamos formando no Brasil 35 mil, 40 mil por ano. As estimativas que estão nos planos nacionais são de que a gente precisa dobrar esse número, passar para alguma coisa entre 70 mil e 100 mil por ano. Temos o menor perfil de engenheiros por habitante de todos os países Brics. Vamos ter de fazer um esforço muito grande. Há forte demanda do mercado de trabalho e, se a gente olhar pelo vestibular deste ano, vê que a garotada está respondendo.

O ITA é parte desse esforço, mas uma parte. O nosso foco não é quantitativo. Somos pequenos. Não conseguimos fazer uma expansão enorme por razões que têm a ver com o modelo da escola. Oferecemos alojamento para todos os estudantes, oferecemos refeitório, é tempo integral, os meninos moram no campus. O ITA pode atender e está afinado com essa prioridade do país naquilo que a gente poderia chamar de altíssima qualidade. Temos um volume muito grande de meninos que se inscrevem no vestibular da escola. Este ano fomos a 9.400 inscritos no vestibular, para 120 vagas. É muito difícil, acaba acontecendo que muitos sequer se inscrevem. E já temos hoje um número de alunos que têm nota mínima para entrar e que a gente não chama por não ter vaga. Temos certeza de que vamos fazer a duplicação.

Folha – Mas ela já tem um prazo?

Pacheco – Vamos fazer em alguns anos. Isso vai depender agora do encaminhamento das obras, a partir do ano que vem. Mas a ideia é que a gente, não no próximo vestibular, mas no outro, já consiga dar início. A gente depende de obras, para poder viabilizar. Tem que construir alojamento, refeitório, laboratório etc. Mas essa é inclusive a sinalização da Presidência da República, de que a gente dê prioridade à expansão e acelere o mais que puder. Depende da nossa capacidade de execução dessas obras.

A demanda por engenheiro está crescendo a 8% ao ano. Ela cresce a uma taxa que é duas vezes à do PIB. Na história dos EUA, ela chegou a crescer quatro vezes o crescimento do PIB. Se a gente quiser fazer inovação… Engenheiro é uma mão de obra qualificada para “n” funções. É quem decodifica toda a parte científica para implementar numa empresa. Você usa engenharia não só na área industrial, mas no governo, no setor de serviços. É muito versátil e ajuda muito nesse processo de desenvolvimento do Brasil como um todo. O nosso papel, do ITA, nessa demanda, é ofertar engenheiros capazes de serem líderes de projetos, de assumirem funções de vanguarda. O ITA sempre exerceu isso, na história do desenvolvimento tecnológico do Brasil, seja na Petrobras, seja na Embraer, seja na Telebras, vários presidentes da Telebras foram alunos da escola. Nossa função é preparar esse pessoal.

Folha – O MIT originou o ITA, mas é um modelo diferente. Eles têm, por exemplo, o laboratório de mídia. Você prevê também uma ampliação de foco no ITA?

Pacheco – Nós temos dois alvos na expansão. Um é a expansão física, laboratórios didáticos, que são os laboratórios convencionais de aerodinâmica, física, propulsão, nas várias áreas. Vamos também abrir mais duas áreas de engenharia, para completar o leque que a gente oferece.

Mas é provável que a gente tenha que fazer mais do que simplesmente duplicar o ITA tal como ele existe hoje. Que a gente tenha que fazer uma atualização de como ele atua. Essa atualização tem a ver com coisas que estão acontecendo em várias universidades, no Brasil e fora. Temos um jovem super-talentoso. É um jovem completamente diferente do que éramos 30 anos atrás, que está conectado com o mundo, com as redes sociais, com a internet, mas também porque incentivamos muito que ele faça um estágio no exterior, abrimos espaço durante a graduação. Queremos que esses jovens façam suas pós-graduações nas melhores escolas de engenharia, mas que eles contribuam para o desenvolvimento tecnológico no Brasil. Para fazer isso, vamos ter que pensar modelos novos de como a escola opera, naquilo que a gente está chamando de despertar a paixão por assuntos tecnológicos de relevância para o Brasil.

Estamos iniciando um conjunto de conversas com empresas de ponta, que têm esforço tecnológico grande no Brasil, para construir com elas um modelo de cooperação novo. Fazemos muitos projetos conjuntos com empresas, laboratórios conjuntos, várias coisas, mas talvez a gente precise repensar um modelo e, aí sim, usar o que o MIT fez com o Media Lab, usar o que estão fazendo em Harvard, em Stanford e em outros lugares do mundo. Engajar os alunos logo no início do curso de graduação, em equipes que envolvam diversos anos, pós-graduandos, professores, gente da indústria, em grandes desafios tecnológicos que o Brasil precisa vencer. Gostaríamos que os nossos alunos se apaixonassem, se encantassem por certos grandes desafios tecnológicos que o Brasil precisa fazer e trabalhassem desde o início naquele campo. Se ele, formado, vai optar por ficar na empresa x ou y, é um problema que ele vai ter que negociar com a empresa, as condições de trabalho que a empresa oferece etc. Mas acho que a gente conseguiria uma taxa maior de êxito se desde o início a gente fomentasse que os alunos se dedicassem a esses grandes desafios. Seja para ele abrir uma empresa nova e virar um grande empresário, seja para ser líder de um projeto dessa natureza na indústria no futuro.

Vamos ter de atualizar a escola usando um pouco o que o MIT faz, o que a Virginia Tech faz, o que a Georgia Tech faz. Uma parte da duplicação é que, dobrando o número de alunos, a gente vai ter massa crítica para pensar um outro modelo de atuação, junto com Petrobras, com Vale, Embraer, Odebrecht, Braskem, com a Telebras e com várias outras empresas. E que a gente construa uma carteira de desafios, em que a gente possa botar equipes, de modo que esses meninos se apaixonem e se dediquem a trabalhar aquilo, em nanotecnologia, em campos que sejam grandes desafios. Que permitam dizer a eles, “olha, você pode trabalhar nisso, você pode criar sua empresa, pode ser um líder num empreendimento na Embraer, na Petrobras”. A gente vai ter que quebrar a cabeça sobre isso.

Folha – Fala-se de uma divisão entre o modelo de inovação com maior presença do Estado, como na Coreia do Sul, e um modelo em que o Estado até está presente, mas em menor proporção, como no americano.

Pacheco – Em qualquer lugar do mundo, o Estado acaba subvencionando o desenvolvimento tecnológico do setor privado. A principal razão é que tem risco alto e o setor privado investe menos do que precisaria investir. Basicamente, uma empresa não consegue retirar todo o retorno do investimento, porque os concorrentes copiam etc. Do ponto de vista mais ortodoxo, você diz que a empresa não consegue se apropriar de todo o retorno do investimento que faz. os concorrentes se apropriam. É como se o retorno social fosse maior que o retorno privado. Isso justifica, mesmo para os economistas mais conservadores, subvencionar o gasto privado em pesquisa e desenvolvimento. E no mundo inteiro não há desenvolvimento tecnológico que não tenha um grande amparo do Estado. Recentemente, aqui, numa visita, o presidente da Boeing afirmou que não entendia a Embraer, porque a Boeing não consegue sobreviver sem as encomendas do Estado americano. É tão caro o desenvolvimento de fronteira nessa área que, na verdade, o investimento inicial é altíssimo, o risco é altíssimo, então você precisa.

Tirando a China, que é um caso completamente particular, aí sim o Estado tem uma presença decisiva, eu vejo que tem dois modelos no mundo que funcionam. Nos dois o Estado é importante. Num, o Estado faz isso com encomendas de governo, como nos EUA. O Estado tem uma enorme importância no desenvolvimento tecnológico, fazendo encomendas para a indústria espacial, aeronáutica. O gasto militar americano é um grande indutor de desenvolvimento tecnológico. E o Estado americano atua também através de um conjunto de institutos de alta qualidade. Atua fortemente na pesquisa básica, com uma estrutura que é ímpar no mundo. Você pega o discurso do Obama, do estado da nação, e ele diz isso claramente. É impressionante a clareza que eles têm de que o Estado tem de criar uma estrutura altamente competente de pesquisa básica e que seja funcional às empresas. E apoiar nas encomendas.

O modelo europeu também é de grande subvenção ao setor privado, mas não feita sob a forma de encomenda. É feita mais sob a forma de editais, pesquisa cooperativa universidade-empresa etc.

Folha – O que o você recomenda para o Brasil?

Pacheco – O que se recomenda no mundo é que se faça um “blend” dos dois. No período recente, a gente construiu um sistema que é parecido com o europeu, com fundos setoriais. Agora, nos últimos poucos anos e sobretudo depois da Estratégia Nacional de Defesa, a gente se aproxima de um “blend” entre os EUA e a Europa. Um pouco por causa das encomendas de submarinos, do cargueiro da Embraer, do satélite geoestacionário. Talvez a gente recupere esse outro lado, das encomendas. Eu acho que, do ponto de vista de políticas de apoio, ainda temos muito a melhorar. Mas, do ponto de vista dos instrumentos, o Brasil tem uma experiência do passado de ter feito muitas coisas. Uma parte importante do sistema estatal foi relevante para o desenvolvimento tecnológico do Brasil, tanto que todos os casos de sucesso que a gente cita, Embrapa, Petrobras, Embraer, Vale do Rio Doce, foram empresas estatais. Então, acho que a gente sabe fazer. Estamos ainda tentando consolidar um sistema no Brasil.

Folha – Como você imagina aumentar a internacionalização da escola?

Pacheco – Já temos muitos alunos que fazem estágio no exterior, França, EUA. Agora estamos, com o Ciência Sem Fronteira, mandando um conjunto grande de alunos para o exterior, abrimos espaço na grade curricular para que possam passar um período. Nós temos grande interesse. E vamos ter um desafio enorme com a ampliação da escola, um desafio que às vezes as pessoas não imaginam. Vamos ter que contratar 200 professores de altíssimo nível. Vamos ter que trazer gente de fora, mandar gente para fora para se titular. Isso que a gente chama de internacionalização é colaborar de forma mais intensa com os grandes centros de engenharia do mundo, com o MIT de novo, voltar ao início da escola, e com outros, em Stanford, em Zurique. Somos uma escola de classe mundial, pelos alunos que a gente forma, pela demanda e visibilidade que eles têm no mundo. Mas a gente quer muito, na internacionalização, atrair professores brilhantes estrangeiros, que nos ajudem no processo de expansão. O mundo está problemático, tem muita gente talentosa neste momento com dificuldade de se posicionar no mercado, inclusive em função da crise europeia.

Folha – E as parcerias com empresas?

Pacheco – Nisso que a gente chama de cooperação, vamos investir numa coisa que não está no projeto de duplicação, mas estamos conversando com as empresas para dar um passo além. Neste momento vamos cuidar de obra, dinheiro, contratação, para fazer a duplicação. Mas simultaneamente a gente botou na agenda, com todas as empresas com que andamos conversando neste final de ano, um laboratório multiusuário, multifuncional, não como os laboratórios didáticos por disciplina. Provavelmente a gente vai acabar fazendo uma coisa que seja emblemática, no sentido arquitetônico. Não porque quer gastar dinheiro desnecessariamente, mas no sentido de ser uma coisa provocativa, para despertar essas paixões nos alunos. Que faça eles se sentirem aqui como em qualquer lugar de classe mundial. E que mova o imaginário das pessoas, para desenvolver novas empresas, projetos. Provavelmente a gente vai acabar tendo, no processo de expansão, alguma coisa nesse sentido, parecido com o que são esses “innovation centers” que proliferam pelo mundo.

Folha – Não tem arquiteto ainda?

Pacheco – Não, está muito verde. Mas a gente sonha com isso, não pelo desenho arquitetônico, mas porque um dos desafios maiores é conseguir engajar esses jovens excepcionais em grandes desafios para o Brasil. Para fazê-lo, vamos ter que mobilizar a imaginação desses meninos, a paixão por isso. Não é no sentido arquitetônico, mas no sentido de que a gente construa alguma coisa que desperte esse imaginário. Por isso um projeto dessa natureza é necessário.