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Revista Edificar

quarta-feira, setembro 8th, 2010

4 Setembro de 2010 às 19h46

No outro andar

Reginaldo Marinho/Fotos: Olenildo Nascimento Reginaldo Marinho/Fotos: Olenildo Nascimento

O Construcell de Reginaldo Marinho
   
Invento do cientista paraibano une a tecnologia à ecologia, para criar estádios, com cobertura plástica, para a Copa de 2014

[ por thamara duarte ]
Imagine um estádio de futebol construído com cobertura de resina plástica, um módulo prismático feito de pets reciclados, e com placas fotovoltaicas que possibilitam a transparência do elemento e não utilizam materiais opacos. Uma construção sustentável, que preserva o planeta, e que é, também, menos suscetível aos abalos provocados por fenômenos da natureza, notadamente os terremotos…
 

Não, não se trata de ficção científica! Nem, tampouco de invento que ainda está sendo projetado para um futuro distante, idealizado apenas na cabeça do criador ou em fase de estudos. O Construcell tem como base o triângulo equilátero e o encaixe se dá através de parafusos colocados em cada um dos três lados iguais. A invenção existe há 10 anos, patenteada desde 2000, no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, no Rio de Janeiro. O paraibano Reginaldo Marinho já recebeu duas medalhas de ouro, em eventos tecnológicos em Genebra e em Londres. Mas, somente agora, como um dos selecionados pelo Prime – programa do Ministério da Ciência e Tecnologia, para fomentar a criação de empresas nascentes de base tecnológica – o cientista diz acreditar que, de fato, o invento será tirado do papel e efetivado em variados tipos de construção.
 

Depois de conquistar a nota máxima no Prime, em conteúdo tecnológico, o Construcell aposta na Copa de 2014, como o momento ideal para o País mostrar não apenas os dribles dos jogadores em campo. A edificação do estádio em plástico vai chamar a atenção dos cientistas, ambientalistas e de todos os cidadãos que acreditam no uso da tecnologia ligado à preservação da ecologia. A partir do Construcell do cientista Reginaldo Marinho, a taça do mundo – em ciência – será nossa!
 

“A minha invenção vem na mesma direção do que foi anunciado pelo presidente Lula, durante os jogos na África do Sul. Ele disse que a Copa do Mundo em 2014, no Brasil, seria marcada como a Copa da Ecologia”, revela Reginaldo Marinho. “Mas, infelizmente, o Estado brasileiro precisa cumprir, com vigor, o que determinam os artigos 218 e 219 da Constituição Federal”. Como revelador da omissão governamental, o cientista cita o artigo 5, da Lei 9.279, a Lei de Propriedade Industrial, que diz: “Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial”.
 

Recentemente, ele participou de debate com um diretor do Ipea, que incluiu o binômio da ciência e da tecnologia na gestão dele. “Mencionei os dois principais gargalos que inibem o desenvolvimento tecnológico nacional: a recusa das agências de fomento – BNDES e BNB-, em aceitar o patrimônio intelectual como garantia a financiamentos específicos ao desenvolvimento tecnológico (Lei 9.279), e o prazo que o INPI aplica, de oito a dez anos, para conceder uma patente, quando o Escritório Europeu de Patentes (EPO) concede em oito meses”, diz Reginaldo. À indagação, recebeu, como resposta, a afirmativa: “Esta é uma ‘questão meramente cultural’’.
 

Há uma década, desde que concebeu e patenteou o Construcell, Reginaldo Marinho enfrenta entraves: alguns são burocráticos, outros são resultados de uma visão ainda estreita, de que o Brasil, diferente da China e da Índia, por exemplo, não está preparado para exportar tecnologia para o restante do mundo. Com o mesmo vigor com que luta pela autonomia nacional, o paraibano reconhece: novos tempos estão chegando; novos paradigmas estão sendo criados neste século XXI. Ele anuncia que uma ONG está estudando a possibilidade de construir o primeiro estádio em plástico do mundo.
 

Com uma estrutura para receber 45 mil torcedores, seguindo as especificações da Fifa, o projeto fica pronto em três meses. Serão consumidos 15 kg de resina por metro quadrado e o insumo pode ser o pet reciclado. A “receita” para criar o módulo prismático é simples: a resina plástica é colocada na injetora, que passa por um cilindro a 250 ° C e vai para o molde. Quando resfriada, ela vira o prisma triangular, que constrói o sonho de Reginaldo Marinho…

Na fotografia, o olhar poético sobre a cidade de 425 anos
Reginaldo Marinho lembra que a mania de construir veio da infância, quando morava numa casa com quintal imenso e um fogão a lenha. Aos seis anos, usava a madeira que o pai comprava para a cozinha para construir casas e cabanas nas brincadeiras com o irmão Ranilson. Depois, descobriu que o bom era montar e desmontar os brinquedos e equipamentos da casa – ferros de engomar e rádios de válvula. Recebeu então, de presente da mãe, uma caixa com as ferramentas do “Pequeno Construtor”.
 

Considerado o “bicho papão” para a maioria da meninada, na matemática, não tinha para ninguém: Reginaldo nunca aceitou menos do que um dez numa prova e, com 17 anos, recém ingresso no curso de Engenharia da UFPB (foi aprovado em quarto lugar no cômputo geral), foi ajudar o professor Argemiro Brito a ensinar os segredos da geometria descritiva aos alunos do Colégio Universitário. No meio do ano, passou de assistente a titular, implantando uma didática desconhecida na década de 1960: a interdisciplinaridade das matérias, ligando, por exemplo, a geometria à ótica.
 

O espírito, sempre inquieto, lhe fez voltar-se para a fotografia e a descoberta do espaço. Comprou uma Olímpus Pen, com teleobjetiva, e passou a mirar a realidade que o cercava, notadamente, a natureza e o social. Largou o curso de Engenharia e foi estudar Arquitetura na UNB. A capital federal fervia, com brasileiros de todos os estados, crenças políticas e tribos culturais. Mas o ambiente universitário estava esvaziado, após a invasão do campus. Ele resolveu, então, voltar a morar em João Pessoa.
 

Antes de deixar Brasília, trabalhou como fotógrafo na revista “Manchete”, “Jornal de Brasília e “Diário da Manhã”. Certa vez, brigado com o diretor do jornal, se viu impedido de participar de um concurso cultural. Um colega “roubou” duas fotos e se inscreveu. Pelo estilo do profissional, a “farsa” foi logo descoberta; o que não impediu Reginaldo de ganhar a medalha de ouro.
 

Em João Pessoa, lançou o livro “Verde que te quero ver”, com imagens da cidade quatrocentona. São fotos memoráveis; clicks que enchem os olhos do leitor: do Centro Histórico à Lagoa, passando pelos monumentos e a orla marítima, a beleza da capital é revelada com infinita poesia. Aos 61 anos, o inventor, fotógrafo e cidadão Reginaldo Marinho faz uma surpreendente afirmação: a ciência nunca o impediu de acreditar no divino. “Minha leitura é de que Deus tem duas linguagens fundamentais para se chegar a ele – a arte e a ciência. Ele me dotou com as duas!”.

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